quarta-feira, 24 de março de 2010

Desejos de março pela janela


Eu olho a janela ao meu lado
E é como se ela também me olhasse, ou vigiasse
Mas não como se fosse me punir
Ou me delatar a qualquer momento
É como se ela quisesse que eu a atravessasse
Se não para me sentir travessa, mas para me sentir fugida
É como se ela soubesse das noites que passo acordada
Ou dos dias que passo dormindo
E não achasse nada disso muito errado ou avesso.
Ela é minha janela, a do quarto de dormir, a única que tenho
É a que dá para as escadas do lugar onde vivo
Como se quisesse que eu entendesse sua mensagem
Ao ver esses degraus sempre que olho lá pra fora
Como se eu não tivesse meus próprios degraus
Sempre que olho aqui para dentro (de mim)...
Qualquer dia desses eu vou fugir por ela
Mesmo sabendo que não fará muito sentido
E que não haverá ninguém em casa para delatar minha fuga
No máximo algum vizinho que tocará a campainha
E irá pensar apenas que eu não estou em casa
Pois não haverá ninguém para saber da minha fuga
Nem ninguém para me receber caso eu volte.
Têm sido estranhos esses dias de março
Às vezes penso em escrever um bilhete no qual explicaria
Porque preciso fugir pela janela que dá para os degraus,
Mas só haveria a mim própria para lê-lo
E, certamente, eu não seria capaz de entender
Como alguém foge pela janela do próprio quarto
Deixando um bilhete que ninguém mais vai ler.
Não vou mais fechar a janela por essa noite
Pode ser que eu desista de fugir por ela afinal
E apenas escreva um poema
Que talvez nem explique porque eu precisaria fugir pela janela
Quando tenho a chave da porta da frente
E não há mais ninguém que vá perceber a sutil diferença
Entre sair pela porta da frente e fugir por essa mesma porta.
Então, só um poema no final das contas
Confessando minha vontade de fugir pela janela,
Mas acabar não fugindo, nem deixando bilhetes
Apenas desejos de março, num poema qualquer.

terça-feira, 16 de março de 2010

Guerras de Março

Acredito que se uma coisa é verdadeira
Ela deve ser dita e não escrita,
Mas as palavras se perdem no ar
E eu não quero mais correr o risco de me perder
Eu não quero mais correr o risco de te perder.
Talvez essa batalha já esteja perdida,
Mas eu não vou desistir de você agora
Não vou perder essa chance de novo
Mesmo doendo muito não te ter por perto sempre
Mesmo sabendo que o seu caminho e o meu
Já se desencontraram faz tempo.

Estou precisando de ajuda
Não é fácil estar sozinha nessa
Pena que ninguém é capaz de compreender
Que eu não sou tão forte quanto quero que pensem
Há muita coisa machucada por trás dessa armadura
E eu queria que você viesse com sua magia e sua luz
Pra curar tudo com apenas um toque
Pra derrubar minha armadura com apenas um olhar.
Queria que você estivesse aqui comigo
Pra não me deixar desistir
Pra me dá sua força e, assim, quem sabe,
Eu não precisaria mais escrever nada
Pois eu teria você aqui pertinho
Pra te dizer tudo sem precisar usar uma única palavra.


março/2005

segunda-feira, 8 de março de 2010

8 de março...




O homem que me ame
Deverá saber correr as cortinas da minha pele,
Achar a profundidade dos olhos meus
E conhecer o que habita em mim,
A andorinha transparente da ternura.

O homem que me ame
Não quererá me possuir como troféu de caça,
Saberá estar ao meu lado
Com o mesmo amor
Que eu estarei ao seu.

O amor do homem que me ame
Será forte como as árvores de corticeira,
Protetor e seguro como elas,
Limpo como uma manhã de dezembro.

O homem que me ame
Não duvidará do meu sorriso
Nem temerá a abundância do meu cabelo
Respeitará a tristeza, o silêncio
E com caricias tocará meu ventre como
Violão
Para que brote música e alegria
Desde o fundo do meu corpo.

O homem que me ame
Poderá encontrar em mim
A rede onde descansar
O pesado fardo de suas preocupações,
A amiga com quem compartilhar seus
Íntimos segredos
O lago onde flutuar
Sem medo de que o anel do
Compromisso
Impeça-lhe voar quando quiser
Ser pássaro.

O homem que me ame
Fará poesia com sua vida,
Construindo cada dia
Com o olhar posto no futuro.
Por sobre todas as coisas,
O homem que me ame
Deverá amar o povo
Não como uma palavra abstrata
Tirada da manga
Mas como algo real, concreto,
Ante a quem rende homenagem com
Ações
E dá a vida se for preciso.

O homem que me ame
Reconhecerá minha cara na trincheira,
De joelhos na terra me amará
Enquanto nós dois atiramos juntos
Contra o inimigo.

O amor do meu homem
Não conhecerá o medo à entrega,
Nem temerá se descobrir ante a magia
Da paixão
Numa praça cheia de multidões
Poderá gritar – te amo –
Ou fazer grafites nos altos dos
Prédios
Proclamando seu direito a sentir
O mais belo e humano dos
Sentimentos.

O amor do meu homem
Não fugirá às cozinhas,
Nem as fraldas do filho,
Será como um vento fresco
Levando-se entre nuvens de sonho e
De passado,
As debilidades que, por séculos,
Mantiveram-nos separados
Como seres de estatura diferente.

O amor do meu homem
Não quererá me rotular e nem me etiquetar
Dará para mim ar, espaço,
Alimento para crescer e ser melhor,
Como uma Revolução
Que faz de cada dia
O começo de uma nova vitória.

Gioconda Belli

sexta-feira, 5 de março de 2010

Hoje não

Não, solidão, hoje não é um bom dia
Hoje chorei vendo fotos do último verão
Hoje achei que seria boa idéia fazer poesia
Mas não encontrei rima boa o suficiente pro meu coração

Não, solidão, por favor, outra hora
Agora não há telefone tocando
Só a vida real lá fora
E aqui dentro só insetos passeando

Hoje não é um bom dia para buscar por memórias
Estou tentando me esconder delas no escuro
Quem sabe, recordar um pouco os momentos de glória
Quem sabe, fugir um pouco do futuro

Mas o que eu posso dizer pra te convencer
Se você já está aqui dividindo essa garrafa de queixas comigo
Se já me faz querer sair correndo por aí até me perder
Se eu não tenho me esperando agora nenhum colo amigo...

Ah, solidão, que péssimo momento você escolheu pra vir
A saudade já estava me deixando dolorida desde cedo
E a essa hora, apenas nós duas, não sei se vou conseguir
Ser forte o quanto tenho que ser para afastar o medo

Então, boa noite pra você e não precisa de pressa pra voltar
Não se preocupe, eu não vou mesmo estar lhe esperando
Não precisa se incomodar em me avisar
Eu sempre sei quando você está chegando

Por isso, hoje não
Hoje eu tenho uma insônia daquelas pra me acompanhar
Hoje eu tenho músicas que entendem melhor minha situação
E hoje, só por hoje, desculpe, mas não posso te deixar ficar.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Pastilhas de Menta



Sinto um coração batendo forte e sem jeito bem próximo ao meu
Imagino quantas pessoas dariam tudo o que têm pra terem isso
E eu não consigo me sentir feliz por tê-lo
Eu não consigo sentir que o tenho
E pastilhas de menta talvez não mudem o que sinto.

Não, eu não tenho toda essa pureza dentro de mim
E eu sei que você seria capaz de me dar se eu quisesse,
Mas ainda assim, eu não sei se sentiria que tenho, mesmo se você me desse
Eu só queria sentir que meu coração é capaz de bater tanto assim
E que é pra você que ele faz essa batucada,
Mas eu não sei se pastilhas de menta são capaz de fazer isso.

Tenho medo de nos envolver numa mentira
Dessas que a gente vê nos filmes e pensa que não acontece
E não tem nada a ver com o fato de estarmos em rumos diferentes
Ou de eu saber que você me daria um pedaço do céu se eu pedisse,
Mas é que eu acho que não quero nada disso agora
Quero apenas andar por aí sozinha como sempre fiz
E sentir minha própria saudade e meu próprio descompasso
Sem ter que culpar as pastilhas de menta por coisa alguma.

Eu não guardei comigo nada de bom que pudesse te oferecer
E você tem aí todas essas pastilhas de menta
Que quase todos os dias fazem eu me sentir tão melhor do que eu sou
E tudo o que eu gostaria de sentir agora é essa calma que sinto
Quando ouço esse coração batendo tão perto do meu
Me fazendo lembrar que eu tenho um coração também
E que poderia bater assim também,
Mas eu não tenho pastilhas de menta pra você.

Então, como eu posso dizer o que sinto e o que gostaria de sentir
Sem fazer cessar essa batida que ouço
Sem tirar o sabor refrescante das pastilhas de menta
E sem, de certa forma, manchar um pouco dessa pureza...
Eu já passei desse momento há algum tempo
Levaram minhas pastilhas de menta
E eu não quero guardar pra você apenas a caixinha vazia,
Mas no momento, é só o que há guardado comigo.

Por isso, amanhã ou depois quando eu não precisar mais dizer nada disso
E você souber que é exatamente isso que eu quero dizer
Não guarde a caixinha vazia para oferecer a outra pessoa
Leve algumas pastilhas de menta com você
E eu prometo que não vou me sentir mal se daqui pra frente
Eu não ouvir mais esse coração batendo assim pra mim
E não tiver mais pastilhas de menta para refrescar o meu.