segunda-feira, 7 de abril de 2008

X (eu) + Y (eu do outro) = Z (meu eu)



"Eu sou X, mas esse X não é meu. Esse X é de Y... e eu preciso, para ser eu mesmo, me destituir de X.”

Por muito tempo eu me perguntei quem eu seria e nunca obtive muito progresso na busca por essa resposta. Quando finalmente achei que sabia quem eu era, descobri que, na verdade, tudo o que eu sou, não passa de adaptação de coisas dos outros que eu peguei pra mim.

Diz um texto antigo, do qual não lembro
o autor no momento: “com o tempo descobri que há mais dos meus pais em mim do que eu supunha”, já eu, descobri que existe em mim muito mais dos meus amigos do que dos meus pais e não falo só de qualidades ou defeitos, mas sim do jeito “tolo” de encarar tudo na vida.
Eu sou paciente, mas essa paciência não vem exatamente de mim, eu precisei dela pra muitas coisas pelas quais tive que passar e foi um grande amigo que me ensinou a exercitá-la. No entanto, eu não acho que eu precise me destituir dela para ser eu mesma, aliás, não acho que eu precise me destituir de nada que é do outro e que eu incorporei, pois à partir do momento que eu tomei como meu, passou a fazer parte de mim. Não sou uma pessoa menos feliz por ser paciente.
Mesmo os defeitos dos outros que eu tenha incorporado e continue comigo, embora eu não perceba, ainda assim, não acho que eu precise me destituir do que é do outro para ser eu mesma. Se eu for me destituir de cada coisa em mim que não é minha, o que restará de mim no final? A verdade é que já não existe mais um “eu mesmo” para eu ser, não importa o quanto eu tire de mim o que não é meu, pois sempre haverá um algo não-meu em mim. O conjunto desses muitos outros que há em mim é que fazem de mim o que eu sou hoje, não posso simplesmente sair identificando do onde tirei cada coisa pra me livrar delas como se fossem roupas emprestadas.
Talvez eu possa identificar que em mim traços da minha generosidade vêem da minha mãe, um pouco de grosseria que haja em mim vem do meu pai, um pouco de simpatia de alguma amiga que já não vejo há tempos, mas se eu me destituir de todos esses outros que coexistem em mim, não estarei sendo eu mesma, mas sim deixando de ser.
O que eu preciso para ser eu mesma não é me destituir de nada que do que vem compondo o meu eu até hoje. Só o que preciso é ter o meu próprio jeitinho de pegar pra mim o que é do outro. É como cozinhar: mesmo que eu aprenda a fazer arroz com alguém, meu arroz e o da pessoa que me ensinou terão sabores diferentes, por mais que a gente faça a mesma receita. Isso porque o segredo não tá na receita ou no tempero, mas sim nos pequenos detalhes, como por exemplo, como eu corto a cebola, como eu refolgo o alho. O que importa em mim não é de onde saiu a “receita” pra eu ser o que eu sou, mas sim em como eu me utilizei dos “temperos”.
Caso eu realmente precisasse rever meu eu e retirar aquilo que me faz menos eu, eu não tiraria o que eu peguei do outro, mas sim aquilo que o outro já pegou de mim e não lhe serviu pra que seu eu fosse mais seu, pois talvez me destituindo de um eu do outro que o faz ser menos dele, ele passasse a ser mais eu do outro do que meu.

“Eu sou um intervalo entre mim e o que o desejo do outro fez de mim” (Fernando Pessoa)

Talvez eu precise me destituir do desejo do outro pra poder ser eu mesma, ou talvez seja isso que faz com que eu seja quem sou, se eu levar em conta o pensamento de Fernando Pessoa. Na dúvida, por que deixar pra trás qualquer desses pequenos detalhes que têm feito tanto sentido em mim durante tanto tempo que nem lembro mais quanto?
Se eu acreditar que o que eu sou realmente não sou eu e que eu preciso me destituir disso pra poder ser eu mesma, então eu corro o risco de não chegar a mim mesma nunca, pois há em mim vários X que não sabem de qual Y são. A única certeza que eu tenho é de juntá-los aqui dentro do que eu chamo de minha subjetividade e formar um único Z.

"Eu não sei na verdade quem eu sou, já tentei calcular o meu valor
Mas sempre encontro um sorriso e o
meu paraíso é onde estou
Por que a gente é desse jeito criando conceito pra tudo que restou?
Meninas são bruxas e fadas, palhaço é um homem todo pintado de piadas
Céu azul é o telhado do mundo inteiro, sonho é uma coisa que fica dentro do meu travesseiro..."

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